Conversa com Neila Corradi Mazzer
Através de
um post de Cleide Gaiotto, tomei conhecimento da trajetória interessante de
José Oreste Corradi, o popular Nenzinho de Cerquilho durante décadas do século
passado. Resolvemos fazer, eu e ela, à quatro mãos, entrevista sobre o
cerquilhence.
Somos ao
encontro de Neila Corradi, a filha de Nenzinho, em uma belíssima casa -
belíssima de verdade mesmo! Ela prefere não falar de si, mas do pai, do
centenário dele. "Meu pai, aos 19 anos, foi lutar na Revolução
Constitucionalista de 32. As forças federais venceram em Buri, após combate
violento, com muitos mortos. Os sobreviventes, inclusive meu pai, foram
capturados. Ele, meu pai, ficou preso em São Paulo, depois foi levado de trem
até o litoral, e, em seguida, embarcaram-no no porão de um navio cujo destino
era o presídio Ilha das Flores no Rio de Janeiro".
Dona Neila
dá uma pausa, levanta-se do sofá confortável, vai ao quarto e retorna com uma
caixa de fotografias antigas. Enquanto revira-as, vai citando trechos da
biografia do pai: "Foi eleito o vereador mais votado de Tietê, quando
Cerquilho era distrito, e renunciou ao cargo para cuidar de nossa
emancipação".
Voz brada,
mas convicta, garante o civismo, patriotismo e desprendimento de Nenzinho em
favor da dignidade e progresso da cidade: "No final dos anos 60, Cerquilho
parecia praça de guerra, guerra política. Meu pai então decidiu criar uma chapa
de conciliação. Abriu mão da própria candidatura, colocando assim os interesses
da cidade em primeiro lugar".
No afã de
revelar as qualidades de Nenzinho, segue mostrando inúmeras fotografias em
branco e preto, cita nomes e acontecimentos importantes: "Ele adorava
futebol, mas também era colaborador de todas as instituições de assistência
social, cultural e esportiva. Ele vivia a política diariamente".
Confortavelmente
instalados em sofás enormes, conversa animada, rica em detalhes... Temendo
perder o foco, direciono perguntas mais específicas.
Antonio
Jota: Como era a campanha política de seu Nenzinho?
Neila
Mazzer: Naquele tempo tudo era mais difícil. O dinheiro era escasso. A
gente fazia crochê e boneca de pano para doar às crianças carentes. Faziam a
fila no terraço, que era enorme. Entravam pela frente de nossa casa e saiam
pelos fundos com os presentes. As meninas ganhavam bonecas, os meninos, bolas
de futebol, e saquinho de doces para todos. Faziam a festa!
AJ: No Natal...?
NM: Meu pai fazia política o ano
inteiro. A gente fazia também a Campanha de Inverno. Angariávamos roupas,
cobertores, enxovaizinhos de bebê, alimentos, o Pilon doava açúcar. E novamente
a casa de enchia de gente. Faziam fila, ganhavam coisas e saiam felizes com as
sacolas cheias de roupas e mantimentos.
AJ: A cidade toda aparecia...
NM: Sim, a cidade toda, que era pequena
naquela época. Tinha duas ruas. A gente falava a Rua de Cima e a Rua de Baixo
(risos). Demorou até se completarem as classes do ginásio. Tinha pouca gente em
Cerquilho.
AJ: Seu Nenzinho vivia a política o
tempo inteiro...
NM: Meu pai adorava. Ele organizava
jogos de baralho, e cobrava 'barato', uma porcentagem, para as obras
assistências dele.
Cleide Gaiotto: Você estudou com Michel Temer?
NM: Sim. Estudei com ele, com Pedro
Scagion, Lurdinha Cardia, uma turminha... E o Mazzer, meu marido, estudou com o
irmão dele.
AJ: O Sr. se formou no Plínio, seu
Mazzer?
Mazzer (esposo de Neila): Sim. Fiz o ginásio
no Plínio, matemática na PUC de Campinas e vim instruir o pessoal de Cerquilho
em vez de lecionar nas universidades. Cheguei a recusar convites.
AJ: Deve ser por isso que Cerquilho
é tão desenvolvida, bem projetada e alto IDH. O Sr. sente que o seu trabalho
qualificado, como professor, resvalou pela cidade?
Mazzer: Meus alunos estão todos bem de
vida, inclusive a Cleide Gaiotto (risos). O trabalho foi excelente, mas o ganho
foi péssimo. Só eu que estou mal...
NM: Quem disse que você está mal?
Casado comigo, tem saúde, moramos num casão (risos).
Mazzer: Mas quando me formei e vim para cá,
o salário de professor de nível universitário era excelente, semelhante ao de
promotor, de juiz, de delegado... Só que o salário do professor foi caindo e
está onde está hoje, insuficiente até para pagar o Plano de Saúde.
AJ: A Sra. nasceu e viveu aqui, dona
Neila?
NM: Sim. Estudei no Plínio, não fiz
faculdade, apesar de ser boa aluna. Naquele tempo era tudo diferente... Meu
avô, pai do meu pai, tinha muita terra, mas não valia nada. Meu pai não podia
pagar faculdade para mim, apesar de ter propriedades e ser prefeito.
AJ: A Sra. se preocupa com as memórias
de sua família...
NM: Tenho muita coisa do meu avô, do
meu pai: documentos, fotos, livretos... Vocês precisam vir de manhã, com tempo.
Tem muita coisa. Meu pai tem uma história muito vasta. Gostava de política,
história, escrevia muito! Fez Ode para Cerquilho.
AJ: Quem herdou o quinhão político do
seu Nenzinho?
NM: Ninguém. Minha filha é que
gosta muito. Foi convidada para candidatar-se a vice-prefeita, mas a família
foi contra, achou melhor não se envolver, e ela então desistiu.
AJ: O que ela faz?
NM: Nós temos uma indústria têxtil
em Tietê. Tínhamos uma casa na praia, vendemos, montamos a indústria, que
cresceu rápido; precisou de mais sócios, e foi acomodando a família.
AJ: Posso assediá-la para entrar no
PSDB?
Cleide Gaiotto: Que PSDB o quê?... Você vem aqui na
casa da minha prima e quer roubar minha prima para o seu partido? Ela tem de
entrar para o PTB! (ri largado, pois minha amiga realmente ficou vermelha feito
pimentão).
AJ: O Sr. foi vereador, seu Mazzer?
Mazzer: Fui vereador em dois mandatos,
um de 6 e outro de 4 anos; fui também presidente da Câmara de Cerquilho. Mas eu
não gosto de política. Sou muito franco. Se o cidadão me pedia para fazer uma
casa no meio da rua, eu não deixava.
AJ: Eu acho que o Sr. estava certo.
Essa atitude é a verdadeira prática política. O oposto disso é demagogia e
corrupção.
Mazzer: Teria de ser assim, correto,
mas, infelizmente isso não é possível. O político acaba aceitado o errada para
se reeleger.
CG: Precisamos ir, são quase 7 da
noite...
NM: Já?! É muito cedo. Tomem um
vinho, comam um queijinho, faço um café...
É
interessante observar como um grande homem consegue transformar o meio onde
vive, deixando uma marca, um timbre. Muito mais se esse homem for honesto e poeta.
Segue abaixo, a Ode que Nenzinho fez para Cerquilho, sua terra natal:
À margem
da longa estrada
Há recanto
hospitaleiro
Deita a
tropa pra pousada
Junto ao
peão, o seu campeiro
E, no azul
sem fim do céu
Qual
errante caminheiro
Das nuvens
em meio ao véu
Subindo
vai o luzeiro...
A anhuma
do velho rio
Que na
mata se escondeu
Vê
Cerquilho que surgiu
Do Tietê é
que nasceu
A sonhar
ouve do além
Bater
ferro cadenciado
Vem vindo
o primeiro trem
Num gemido
prolongado
Dos mares
vêm imigrantes
Com mãos
de fraternidade
Deixando
Pátrias distantes
No coração
a saudade
Na
amplidão repica um sino
Para o
salto a cruz aponta
Na
esperança do destino
O branco
lírio desponta
E, no
porvir palmilhando
Cerquilho
também avança
Silenciosa
caminhando
Com a
Estrela da Esperança
Linda
Estrela nossa luz
Com
ternura, com carinho
No
evangelho de Jesus
Ilumina
este caminho
Fim
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