17 de dezembro de 2014

Dr. Jorge

Dr. Jorge, o filho de Iracema mineira

Cândida mineirice na voz, olhar franco leve, sorriso sutil no rosto inteiro, gestos comedidos, exclui-se dos rótulos de linha dura ou branda, dizendo-se apenas conservador. Os olhos de cores verdes ou azuis (refletem a cor da camisa), distribuem luz radiante quando disserta sobre a família: a atual esposa Daniela, jovem e bonita; a mãe Iracema, xará da matriarca da nação cearense e dos três filhos, sobretudo de Stephanie, a filha literata.
Assim é Dr. Jorge, Delegado de Polícia de Tietê, que fala o que precisa ser falado, mas passa a impressão de que jamais ergue a voz. Segredos? Declara não tê-los, e dispõe-se a responder tudo o que for perguntado.
Aviso que estou gravando, e deixo-o explicar-se. Argumenta sobre a atual conjuntura brasileira, ligando-a aos Anos Dourados, passeando pelo Sexo Drogas e Rock'n Roll, Woodstock, Regime de Exceção, Geração Coca-cola, chegando ao sucateamento da escola e demais instituições públicas. Fala fácil sobre literatura, filosofia, cita Focault e diz de si: “Nasci numa fazenda, no interior de Minas, onde meu pai era camarada. Precisava caminhar várias léguas/dia para estudar, até mudarmos para a cidade.
Primando o carisma, Dr. Jorge narra a biografia como se descerrasse uma cortina para mostrar uma peça teatral sofisticada: “Trabalhei na roça, na pedreira, vendi hortaliças na rua, fiz três cursos técnicos, ganhei, por ser bom aluno, uma bolsa para estudar nos Estados Unidos, mas como não tinha o dinheiro da passagem, acabei em Tatuí, trabalhando numa granja de porcos.    
Eu, atrapalhado com meus apetrechos de fotografar e filmar, interrompo a conversa. Pausa. Levantamo-nos (almoçávamos no Refúgio), e reabastecemos os pratos.
E do quase nada, flagrei-lhe um sorriso picante, contrafeito, escondendo-se entre os lábios grossos e dentes alinhadissimos. Quis saber o porquê, e ele disse com naturalidade: “Sua imperícia com os eletrônicos!...” Sorrio, ponho a culpa nas baterias e faço-o prosseguir. “Saí da granja de porcos e voltei para Muzambinho. Lá virei funcionário público da companhia de água, investigador de polícia e fui eleito vereador. Enquanto isso, eu viajava 270 quilômetros por dia para fazer faculdade! Por fim me formei e passei no concurso de delegado em São Paulo”.
Almoço encerrado, ele pegou a comanda e disse que pagaria tudo sozinho. Assenti com as mais expressivas mímicas de que fui capaz. Sou besta de discutir com o delegado!... Mas propus que almoçássemos no dia seguinte por minha conta.
Graduado em Direito e Letras, o Dr. Jorge, em minha opinião, é um ‘riobaldo urbanizado’, linha dura em prosa e humanidades: “Foi uma catástrofe sair da roça em Minas e ser delegado em São Paulo."
É... a vida não é fácil pra ninguém!
Dr. Jorge Eduardo de Vasconcelos, Delegado de Polícia de Tietê, 55 anos, mineiro, 30 anos de polícia, concede entrevista predispondo-se a falar sobre tudo o que for perguntado.
Convém dizer que a entrevista estava programada para acontecer dentro da sala de aula com meus alunos de 7º ano. Na última hora, em decorrência das consequencias da estranha Guerra de Elástico, a entrevista foi cancelada. Entretanto, muitas perguntas que haviam sido elaboradas pelos alunos foram mantidas.
Antonio Jota: Como Delegado de Polícia, o Sr. consegue contribuir com a Natureza?
Dr. Jorge: Sim. Tietê está sobre o Aqüífero Guarani. Então, enquanto autoridade policial, naquilo que me compete, não libero instalação de indústria química que não esteja rigorosamente calçada de laudos expedidos pelos órgãos competentes. Assim, além de proteger nossa água, facilito a vida de meus netos e bisnetos.
AJ: O Sr. é um delegado linha dura?
Dr. Jorge: Sou linha dura dentro dos trâmites legais, mas nem sempre ando armado, neste momento, estou desarmado.
AJ: O estudante da escola pública atual poderá chegar aonde o Sr. chegou?
Dr. Jorge: Acredito que cada um faz sua história. Minha mãe, apesar de iletrada, me alfabetizou aos 6 anos.
AJ: Tem-se a impressão de que o menor pode tudo. Por que a sociedade passa tal impressão para adolescentes, quando, na realidade, todos são punidos?
Dr. Jorge: Nada é claro no Brasil. Adolescentes são tratados como seres desprovidos de cognição, incapazes de compreender o meio onde vivem e, às vezes, tarde demais, descobrem que também estão sob a Lei e conseqüentemente são punidos.
AJ: Qual a diferença entre ficar preso na cadeia e ficar preso na Fundação Casa? 
Dr. Jorge: Somente a idade dos presos, pois os ambientes são igualmente nefastos.
AJ: Qual a maior dificuldade de se fazer cumprir a Lei no Brasil?
Dr. Jorge: O problema do Brasil chama-se brasileiro. Certa vez, em Berlim, madrugada, chuva fina, rua deserta... Observei uma alemã parar a bicicleta e esperar até o sinal abrir para então cruzar a avenida. Pergunto: qual é o brasileiro que respeita o sinal de transito quando ninguém lhe observa? A alemã esperou abrir o farol por conta de valores intrinsecamente internos. O Brasileiro desconhece tais valores infelizmente.
AJ: O que o Sr. acha da prisão de inocentes?
Dr. Jorge: Se sei que é inocente, não prendo. Mas a Polícia é composta de humanos suscetíveis a erros.
AJ: Em Tietê acontecem muitas agressões a mulheres?
Dr. Jorge: Não. Tietê é uma cidade civilizada, pessoas mais calmas, educadas; e os casos que ocorrem são punidos dentro do rigor da lei.
AJ: Mulheres são presas por agressão a homens?
Dr. Jorge: Sim, já prendi muitas mulheres por agredirem homens.
AJ: Quando o Sr. vai trabalhar, quem protege sua família?
Dr. Jorge: Deus e a mesma estrutura que protege aos demais cidadãos.
AJ: Por que São Paulo, que é o estado mais rico, é o que menos paga aos policiais?
Dr. Jorge: Quando o cidadão entra para trabalhar na Polícia já sabe da remuneração. Entra quem quer. O que não pode é baixar salário, nem o policial justificar baixo desempenho alegando ganhar pouco. 
AJ: Se o Sr. tivesse poderes absolutos, o que mudaria no mundo?
Dr. Jorge: Mudaria a raça humana. A própria natureza parece reconhecer o Homem como o bicho peçonhento, pois onde ele pisa mais de uma vez não nasce mais capim!
AJ: Quando o Sr. era adolescente, já pensava em ser delegado?
Dr. Jorge: Não, eu pensava em ser fazendeiro.
AJ: As leis e as respectivas penas são justas, ou seja, as leis punem com justiça?
Dr. Jorge: Acredito que sim.
AJ: O cidadão pode reclamar da polícia?
Dr. Jorge: Sim. Há corregedoria para este fim.
AJ: Obrigado pela entrevista.

Dr. Jorge: Agradeço a todos e fico a disposição para qualquer esclarecimento.
Conversa com Neila Corradi Mazzer

Através de um post de Cleide Gaiotto, tomei conhecimento da trajetória interessante de José Oreste Corradi, o popular Nenzinho de Cerquilho durante décadas do século passado. Resolvemos fazer, eu e ela, à quatro mãos, entrevista sobre o cerquilhence.
Somos ao encontro de Neila Corradi, a filha de Nenzinho, em uma belíssima casa - belíssima de verdade mesmo! Ela prefere não falar de si, mas do pai, do centenário dele. "Meu pai, aos 19 anos, foi lutar na Revolução Constitucionalista de 32. As forças federais venceram em Buri, após combate violento, com muitos mortos. Os sobreviventes, inclusive meu pai, foram capturados. Ele, meu pai, ficou preso em São Paulo, depois foi levado de trem até o litoral, e, em seguida, embarcaram-no no porão de um navio cujo destino era o presídio Ilha das Flores no Rio de Janeiro".
Dona Neila dá uma pausa, levanta-se do sofá confortável, vai ao quarto e retorna com uma caixa de fotografias antigas. Enquanto revira-as, vai citando trechos da biografia do pai: "Foi eleito o vereador mais votado de Tietê, quando Cerquilho era distrito, e renunciou ao cargo para cuidar de nossa emancipação".
Voz brada, mas convicta, garante o civismo, patriotismo e desprendimento de Nenzinho em favor da dignidade e progresso da cidade: "No final dos anos 60, Cerquilho parecia praça de guerra, guerra política. Meu pai então decidiu criar uma chapa de conciliação. Abriu mão da própria candidatura, colocando assim os interesses da cidade em primeiro lugar".
No afã de revelar as qualidades de Nenzinho, segue mostrando inúmeras fotografias em branco e preto, cita nomes e acontecimentos importantes: "Ele adorava futebol, mas também era colaborador de todas as instituições de assistência social, cultural e esportiva. Ele vivia a política diariamente".
Confortavelmente instalados em sofás enormes, conversa animada, rica em detalhes... Temendo perder o foco, direciono perguntas mais específicas.

Antonio Jota: Como era a campanha política de seu Nenzinho?

Neila Mazzer: Naquele tempo tudo era mais difícil. O dinheiro era escasso. A gente fazia crochê e boneca de pano para doar às crianças carentes. Faziam a fila no terraço, que era enorme. Entravam pela frente de nossa casa e saiam pelos fundos com os presentes. As meninas ganhavam bonecas, os meninos, bolas de futebol, e saquinho de doces para todos. Faziam a festa!

AJ: No Natal...?

NM: Meu pai fazia política o ano inteiro. A gente fazia também a Campanha de Inverno. Angariávamos roupas, cobertores, enxovaizinhos de bebê, alimentos, o Pilon doava açúcar. E novamente a casa de enchia de gente. Faziam fila, ganhavam coisas e saiam felizes com as sacolas cheias de roupas e mantimentos.  

AJ: A cidade toda aparecia...

NM: Sim, a cidade toda, que era pequena naquela época. Tinha duas ruas. A gente falava a Rua de Cima e a Rua de Baixo (risos). Demorou até se completarem as classes do ginásio. Tinha pouca gente em Cerquilho.

AJ: Seu Nenzinho vivia a política o tempo inteiro...

NM: Meu pai adorava. Ele organizava jogos de baralho, e cobrava 'barato', uma porcentagem, para as obras assistências dele.

Cleide Gaiotto: Você estudou com Michel Temer?

NM: Sim. Estudei com ele, com Pedro Scagion, Lurdinha Cardia, uma turminha... E o Mazzer, meu marido, estudou com o irmão dele.

AJ: O Sr. se formou no Plínio, seu Mazzer?

Mazzer (esposo de Neila): Sim. Fiz o ginásio no Plínio, matemática na PUC de Campinas e vim instruir o pessoal de Cerquilho em vez de lecionar nas universidades. Cheguei a recusar convites.

AJ: Deve ser por isso que Cerquilho é tão desenvolvida, bem projetada e alto IDH. O Sr. sente que o seu trabalho qualificado, como professor, resvalou pela cidade?

Mazzer: Meus alunos estão todos bem de vida, inclusive a Cleide Gaiotto (risos). O trabalho foi excelente, mas o ganho foi péssimo. Só eu que estou mal...

NM: Quem disse que você está mal? Casado comigo, tem saúde, moramos num casão (risos).

Mazzer: Mas quando me formei e vim para cá, o salário de professor de nível universitário era excelente, semelhante ao de promotor, de juiz, de delegado... Só que o salário do professor foi caindo e está onde está hoje, insuficiente até para pagar o Plano de Saúde.

AJ: A Sra. nasceu e viveu aqui, dona Neila?

NM: Sim. Estudei no Plínio, não fiz faculdade, apesar de ser boa aluna. Naquele tempo era tudo diferente... Meu avô, pai do meu pai, tinha muita terra, mas não valia nada. Meu pai não podia pagar faculdade para mim, apesar de ter propriedades e ser prefeito.

AJ: A Sra. se preocupa com as memórias de sua família...

NM: Tenho muita coisa do meu avô, do meu pai: documentos, fotos, livretos... Vocês precisam vir de manhã, com tempo. Tem muita coisa. Meu pai tem uma história muito vasta. Gostava de política, história, escrevia muito! Fez Ode para Cerquilho.

AJ: Quem herdou o quinhão político do seu Nenzinho?

NM: Ninguém. Minha filha é que gosta muito. Foi convidada para candidatar-se a vice-prefeita, mas a família foi contra, achou melhor não se envolver, e ela então desistiu.

AJ: O que ela faz?

NM: Nós temos uma indústria têxtil em Tietê. Tínhamos uma casa na praia, vendemos, montamos a indústria, que cresceu rápido; precisou de mais sócios, e foi acomodando a família.

AJ: Posso assediá-la para entrar no PSDB?

Cleide Gaiotto: Que PSDB o quê?... Você vem aqui na casa da minha prima e quer roubar minha prima para o seu partido? Ela tem de entrar para o PTB! (ri largado, pois minha amiga realmente ficou vermelha feito pimentão).

AJ: O Sr. foi vereador, seu Mazzer?

Mazzer: Fui vereador em dois mandatos, um de 6 e outro de 4 anos; fui também presidente da Câmara de Cerquilho. Mas eu não gosto de política. Sou muito franco. Se o cidadão me pedia para fazer uma casa no meio da rua, eu não deixava.

AJ: Eu acho que o Sr. estava certo. Essa atitude é a verdadeira prática política. O oposto disso é demagogia e corrupção.

Mazzer: Teria de ser assim, correto, mas, infelizmente isso não é possível. O político acaba aceitado o errada para se reeleger.

CG: Precisamos ir, são quase 7 da noite...

NM: Já?! É muito cedo. Tomem um vinho, comam um queijinho, faço um café...

É interessante observar como um grande homem consegue transformar o meio onde vive, deixando uma marca, um timbre. Muito mais se esse homem for honesto e poeta. Segue abaixo, a Ode que Nenzinho fez para Cerquilho, sua terra natal:

À margem da longa estrada
Há recanto hospitaleiro
Deita a tropa pra pousada
Junto ao peão, o seu campeiro

E, no azul sem fim do céu
Qual errante caminheiro
Das nuvens em meio ao véu
Subindo vai o luzeiro...

A anhuma do velho rio
Que na mata se escondeu
Vê Cerquilho que surgiu
Do Tietê é que nasceu

A sonhar ouve do além
Bater ferro cadenciado
Vem vindo o primeiro trem
Num gemido prolongado

Dos mares vêm imigrantes
Com mãos de fraternidade
Deixando Pátrias distantes
No coração a saudade

Na amplidão repica um sino
Para o salto a cruz aponta
Na esperança do destino
O branco lírio desponta

E, no porvir palmilhando
Cerquilho também avança
Silenciosa caminhando
Com a Estrela da Esperança

Linda Estrela nossa luz
Com ternura, com carinho
No evangelho de Jesus
Ilumina este caminho



Fim

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