Dr. Jorge, o filho de Iracema mineira
Cândida mineirice
na voz, olhar franco leve, sorriso sutil no rosto inteiro, gestos comedidos,
exclui-se dos rótulos de linha dura ou branda, dizendo-se apenas conservador.
Os olhos de cores verdes ou azuis (refletem a cor da camisa), distribuem luz
radiante quando disserta sobre a família: a atual esposa Daniela, jovem e
bonita; a mãe Iracema, xará da matriarca da nação cearense e dos três filhos,
sobretudo de Stephanie, a filha literata.
Assim é Dr. Jorge,
Delegado de Polícia de Tietê, que fala o que precisa ser falado, mas passa a
impressão de que jamais ergue a voz. Segredos? Declara não tê-los, e dispõe-se
a responder tudo o que for perguntado.
Aviso que estou
gravando, e deixo-o explicar-se. Argumenta sobre a atual conjuntura brasileira,
ligando-a aos Anos Dourados, passeando pelo Sexo Drogas e Rock'n Roll,
Woodstock, Regime de Exceção, Geração Coca-cola, chegando ao sucateamento da
escola e demais instituições públicas. Fala fácil sobre literatura, filosofia,
cita Focault e diz de si: “Nasci numa fazenda, no interior de Minas, onde meu
pai era camarada. Precisava caminhar várias léguas/dia para estudar, até
mudarmos para a cidade.
Primando o carisma,
Dr. Jorge narra a biografia como se descerrasse uma cortina para mostrar uma
peça teatral sofisticada: “Trabalhei na roça, na pedreira, vendi hortaliças na
rua, fiz três cursos técnicos, ganhei, por ser bom aluno, uma bolsa para
estudar nos Estados Unidos, mas como não tinha o dinheiro da passagem, acabei
em Tatuí, trabalhando numa granja de porcos.
Eu, atrapalhado com
meus apetrechos de fotografar e filmar, interrompo a conversa. Pausa.
Levantamo-nos (almoçávamos no Refúgio), e reabastecemos os pratos.
E do quase nada,
flagrei-lhe um sorriso picante, contrafeito, escondendo-se entre os lábios
grossos e dentes alinhadissimos. Quis saber o porquê, e ele disse com
naturalidade: “Sua imperícia com os eletrônicos!...” Sorrio, ponho a culpa nas
baterias e faço-o prosseguir. “Saí da granja de porcos e voltei para
Muzambinho. Lá virei funcionário público da companhia de água, investigador de
polícia e fui eleito vereador. Enquanto isso, eu viajava 270 quilômetros por
dia para fazer faculdade! Por fim me formei e passei no concurso de delegado em
São Paulo”.
Almoço encerrado,
ele pegou a comanda e disse que pagaria tudo sozinho. Assenti com as mais
expressivas mímicas de que fui capaz. Sou besta de discutir com o delegado!...
Mas propus que almoçássemos no dia seguinte por minha conta.
Graduado em Direito
e Letras, o Dr. Jorge, em minha opinião, é um ‘riobaldo urbanizado’, linha dura
em prosa e humanidades: “Foi uma catástrofe sair da roça em Minas e ser
delegado em São Paulo."
É... a vida não é
fácil pra ninguém!
Dr. Jorge Eduardo
de Vasconcelos, Delegado de Polícia de Tietê, 55 anos, mineiro, 30 anos de
polícia, concede entrevista predispondo-se a falar sobre tudo o que for
perguntado.
Convém dizer que a
entrevista estava programada para acontecer dentro da sala de aula com meus
alunos de 7º ano. Na última hora, em decorrência das consequencias da estranha
Guerra de Elástico, a entrevista foi cancelada. Entretanto, muitas perguntas
que haviam sido elaboradas pelos alunos foram mantidas.
Antonio Jota: Como
Delegado de Polícia, o Sr. consegue contribuir com a Natureza?
Dr. Jorge: Sim.
Tietê está sobre o Aqüífero Guarani. Então, enquanto autoridade policial,
naquilo que me compete, não libero instalação de indústria química que não
esteja rigorosamente calçada de laudos expedidos pelos órgãos competentes.
Assim, além de proteger nossa água, facilito a vida de meus netos e bisnetos.
AJ: O Sr. é um
delegado linha dura?
Dr. Jorge: Sou
linha dura dentro dos trâmites legais, mas nem sempre ando armado, neste
momento, estou desarmado.
AJ: O estudante da
escola pública atual poderá chegar aonde o Sr. chegou?
Dr. Jorge: Acredito
que cada um faz sua história. Minha mãe, apesar de iletrada, me alfabetizou aos
6 anos.
AJ: Tem-se a
impressão de que o menor pode tudo. Por que a sociedade passa tal impressão
para adolescentes, quando, na realidade, todos são punidos?
Dr. Jorge: Nada é
claro no Brasil. Adolescentes são tratados como seres desprovidos de cognição,
incapazes de compreender o meio onde vivem e, às vezes, tarde demais, descobrem
que também estão sob a Lei e conseqüentemente são punidos.
AJ: Qual a
diferença entre ficar preso na cadeia e ficar preso na Fundação Casa?
Dr. Jorge: Somente
a idade dos presos, pois os ambientes são igualmente nefastos.
AJ: Qual a maior
dificuldade de se fazer cumprir a Lei no Brasil?
Dr. Jorge: O
problema do Brasil chama-se brasileiro. Certa vez, em Berlim, madrugada, chuva
fina, rua deserta... Observei uma alemã parar a bicicleta e esperar até o sinal
abrir para então cruzar a avenida. Pergunto: qual é o brasileiro que respeita o
sinal de transito quando ninguém lhe observa? A alemã esperou abrir o farol por
conta de valores intrinsecamente internos. O Brasileiro desconhece tais valores
infelizmente.
AJ: O que o Sr.
acha da prisão de inocentes?
Dr. Jorge: Se sei
que é inocente, não prendo. Mas a Polícia é composta de humanos suscetíveis a
erros.
AJ: Em Tietê
acontecem muitas agressões a mulheres?
Dr. Jorge: Não.
Tietê é uma cidade civilizada, pessoas mais calmas, educadas; e os casos que
ocorrem são punidos dentro do rigor da lei.
AJ: Mulheres são
presas por agressão a homens?
Dr. Jorge: Sim, já
prendi muitas mulheres por agredirem homens.
AJ: Quando o Sr.
vai trabalhar, quem protege sua família?
Dr. Jorge: Deus e a
mesma estrutura que protege aos demais cidadãos.
AJ: Por que São
Paulo, que é o estado mais rico, é o que menos paga aos policiais?
Dr. Jorge: Quando o
cidadão entra para trabalhar na Polícia já sabe da remuneração. Entra quem
quer. O que não pode é baixar salário, nem o policial justificar baixo
desempenho alegando ganhar pouco.
AJ: Se o Sr.
tivesse poderes absolutos, o que mudaria no mundo?
Dr. Jorge: Mudaria
a raça humana. A própria natureza parece reconhecer o Homem como o bicho
peçonhento, pois onde ele pisa mais de uma vez não nasce mais capim!
AJ: Quando o Sr.
era adolescente, já pensava em ser delegado?
Dr. Jorge: Não, eu
pensava em ser fazendeiro.
AJ: As leis e as
respectivas penas são justas, ou seja, as leis punem com justiça?
Dr. Jorge: Acredito
que sim.
AJ: O cidadão pode
reclamar da polícia?
Dr. Jorge: Sim. Há
corregedoria para este fim.
AJ: Obrigado pela
entrevista.
Dr. Jorge: Agradeço
a todos e fico a disposição para qualquer esclarecimento.